Uma live sobre os 10 anos do desastre nuclear em Fukushima
No dia 11 de março de 2021, o Uranium Film Festival organizou, com apoio da Cinemateca do MAM Rio, uma live sobre os 10 anos do desastre nuclear de Fukushima com grande sucesso. Dezenas de pessoas interessadas participaram do bate-papo com o especialista sobre Fukushima, o Professor Alphonse Kelecom, do Laboratório de Radiobiologia e Radiometria do Instituto de Biologia, da Universidade Federal Fluminense e Márcia Gomes de Oliveira, fundadora e diretora do Uranium Film Festival, um festival de filmes sobre energia nuclear, criado em 2010, no Rio de Janeiro. Link da live: https://youtu.be/rA6aRnHjP3I
„O grande problema em 11 de março não foi o terremoto“, conta o Professor Kelecom que desembarcou em Fukushima, em julho de 2011, quatro meses depois da explosão da usina nuclear Dai-Ichi. „Os japoneses me disseram que estão acostumados com grandes ondas. Eles contaram: `Destruiu as nossas casas, invadiu nossos arrozais. Mas a gente conseguiria dessalinizar o solo, recuperar os arrozais, construir as casas de novo. Isso só depende da vontade da gente. É só a gente trabalhar que a gente recupera tudo. O problema maior agora é que tem a contaminação radioativa.“
Kelecom: „A contaminação radioativa é perversa. Você não consegue ver a contaminação, a não ser que tenha equipamento para medir. A radiação que vem da fonte nuclear não faz barulho, não queima a pele da gente de imediato, não tem cheiro, ela escapa aos nossos sentidos. Ela parece que não está lá. No entanto, ela está presente por dezenas e dezenas de anos.“
O terremoto de 11 de março foi o maior que o Japão registrou, chegou a alterar levemente o eixo de rotação do planeta. O estrago que isso causa é possível recuperar. „Mas a contaminação que resulta da explosão das usinas é muito mais complexa . Recuperá-la em níveis aceitáveis, que o ser humano possa viver, vai levar centenas e centenas de anos“ explica o professor. „Não é essa geração e nem serão as próximas que poderão voltar para o lugar, que é também o lugar de seus ancestrais.“
Num território que é do tamanho do Estado do Rio de Janeiro, foram um total de 184 mil pessoas deslocadas das suas casas, nos quinze dias que sucederam a explosão da usina, por causa da radioatividade. „Logo depois, o governo japonês começou a raspar de 5 a 10 cm do solo e ensacar esse solo. Ele está tentando recuperar, não a área toda afetada pela explosão das usinas, mas apenas uma parte dessa área. E há três anos atrás, já havia mais de 7 milhões de sacas de plástico preto empilhadas em 7 camadas ao longo da estrada - que ainda aguardam um lugar definitivo para serem armazenadas“, conta o Professor de Radiobiologia e Radiometria. „A terra que está dentro é toda contaminada.“
E a radioatividade é bloqueada nestes sacos plásticos?
„A radiação alfa sim, a beta parcialmente por auto absorção“, explica Kelecom. „Mas a radiação gama atravessa o saco. E pior, o saco contem sementes e raízes de plantas que estão crescendo e furando o saco, escoando para a terra de novo. E a chuva ajuda a espalhar a contaminação por lixiviação.“
A herança nuclear, o impacto da contaminação é muito mais grave do que o terremoto e o tsunami que o antecederam. O culto dos ancestrais está muito ligado à cultura japonesa, fala Kelecom: „Dentro das suas casas as pessoas guardavam as urnas dos seus ancestrais e as pessoas tiveram que abandoná-las. Eles se sentem culpados porque não podem mais cuidar de seus ancestrais. Também temem o futuro, por terem sido irradiados, e pensam que podem ter filhos com deformidades genéticas e que os filhos dos seus filhos também podem ter defeitos genéticos. Fica sempre a pergunta em mente: será que isso não vai ter fim nunca?“
Kelecom: „A população local perdeu suas casas e perdeu seus empregos, porque são agricultores e não tem mais terra agricultável. Agora essa população desempregada trabalha ensacando a terra contaminada. Estão morando em containers, como casas provisórias, em áreas de refugiados densamente populadas. Agora vivem de 'esmola", não no sentido de ser baixa a remuneração, mas no sentido de não serem mais produtivos. É um grande drama.“
Como está a situação hoje nessas usinas de Fukushima?
Kelecom: „A explosão ainda é uma ameaça se não mantiverem a refrigeração. Não mais na usina 4, porque foi retirado o combustível nuclear que estava lá. Mas as usinas 1, 2 e 3 ainda ninguém pode entrar, pois a taxa de radiação é enorme. Nem um aparelho comandado à distância pode entrar, porque a radiação gama interfere nos sinais.“
Então o que se faz é manter os reatores frios, o que gasta muita água.
„A água é jogada no reator para não super aquecer e evitar o derretimento do urânio. Essa água é contaminada. Para essa água não escorrer para o mar, ela é bombeada para tanques. São centenas e centenas de tanques“, explica Kelecom. „Um tanque é cheio a cada semana. Agora o Japão construiu duas usinas de purificação de água contaminada, para poder reutilizá-la novamente nos reatores.“
„O homem criou um equipamento que pode criar um problema que o próprio ser humano é incapaz de gerenciar. É esse o problema da usina nuclear. Como a radioatividade não é visível, se tem a falsa ideia de que ela não existe“, conta Kelecom.
Depois do tempo de vida útil de uma usina, é necessário desativá-la: „É mais caro descomissionar (desmontar) uma usina nuclear do que fazê-la funcionar“, explica o professor. „É necessário gastar três vezes mais do que foi gasto na construção para desmontá-la. E no sistema capitalista é um absurdo gastar tanto para algo virar lixo. E onde vamos estocar o lixo? É uma bola de neve que praticamente não tem fim. No Brasil, o lixo radioativo de Angra I e II está guardado na própria usina. Mas isso tem um limite, não há como guardar todo o lixo radioativo e o que vamos fazer com ele? A grande celeuma é: onde vamos construir um depósito definitivo com todo esse volume de rejeito nuclear? Essa pergunta se faz em todos os países onde tem usinas nucleares.“
E mais do que isso: a usina nuclear funciona com urânio que não é criado no mesmo lugar da usina. Ele é minerado em algum lugar.
Kelecom: „No Brasil são três lugares: Atualmente, na cidade chamada Caetité, na Bahia. Terá também em Santa Quitéria, no Ceará. Já em Minas Gerais, Poços de Caldas, foi minerado urânio a partir de 1956 e deixou de minerar em 1995.“
„Poços de Caldas foi pouco rentável e temos lá duas barragens de rejeitos de mineração“, explica o professor. „Vocês lembram de Brumadinho, em Mariana? Temos um Brumadinho potencial em Poços de Caldas. Só que com rejeito de mineração de urânio. É um outro tipo de lama que se espalha se essas barragens vierem a ceder. Essa mineração está parada há 25 anos e ainda é necessário fazer o gerenciamento de todo o lixo que resultou da mineração.“
O urânio extraído da mina vai direto para usina nuclear?
Destacamos aqui parte da conversa com o Professor Kelecom. Na live, ela está enriquecida com explicações em slides. Disponível na íntegra no Youtube do MAM Rio.
Link da live: https://youtu.be/rA6aRnHjP3I
Link dos filmes (até 18/03/21): https://vimeo.com/522311583
Mais informações: https://uraniumfilmfestival.org/pt-br/fukushima-2021
https://mam.rio/programacao/10-anos-do-acidente-nuclear-em-fukushima/
Em 2010, convocamos cineastas dos quatro cantos do mundo para mostrar suas produções sobre os riscos da radioatividade. Desde sua primeira edição, em maio de 2011, o International Uranium Film Festival (também conhecido como o Festival de Cinema da Era Atômica) ficou reconhecido como o principal festival de cinema sobre a temática atômica em todo o mundo. Até hoje, aconteceram mais de 60 mostras do Uranium Film Festival em mais de 40 cidades de sete países, Brasil, Canadá, Alemanha, Índia, Jordânia, Portugal e Estados Unidos, com a participação de mais de 100 cineastas, fotógrafos, produtores, artistas, cientistas e especialistas. Estamos transformando a maneira como as pessoas veem o mundo nuclear.
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